Aos leitores agradeço o
interesse pelo meu livro. Os meus votos de uma feliz Travessia através do
Requiem para o navegador solitário. Para vós dedico a minha crónica O Apelo do
Mar em Travessias Luís Cardoso. Abraço
O APELO DO MAR
A primeira vez que se olha
para o mar fica-se com a vontade de fazer uma viagem para o outro lado,
atravessando essa enorme extensão de águas. Não sei se é essa a razão que faz
com que muitos se tenham virado para o mar, em busca de liberdade, de paz, do
silêncio, da solidão, da explicação da vida, deles próprios, a fuga ou o
retorno. Razões íntimas que ultrapassam os enredos que cada um possa forjar,
para explicar o apelo do mar.
Rui Cinatti, português,
poeta, silvicultor, antropólogo e estudioso de Timor dedica o seu poema Visão a
Alain Gerbault, a quem presta homenagem pelo facto de lhe ter dado a conhecer
as fabulosas ilhas dos mares do sul e a cultura dos povos insulares.
Eram ilhas
Hercúleas: coroas
Vegetais sobrenadando
Altos castelos submersos e, apenas,
(«Sepultem-me no mar, longe de tudo»),
Alain,
Entre vagas, velas e
gaivotas.
Timor está consagrado como a
ilha do sândalo branco. Camões escreve no Canto Décimo dos Lusíadas Ali também
Timor que o lenho manda sândalo salutífero e cheiroso. Também é local de
passagem. Assim acontece com a primeira viagem de circum-navegação, que o cronista
António Pigafetta reporta no seu livro de bordo Relazione del primo viaggio
intorno al mondo. Mais tarde os portugueses transformam a ilha num local de
desterro para muitos dos opositores ao regime de Salazar. Quando Alain Gerbault
chega a Díli, Timor encontra-se num momento de tensão. A guerra está prestes a
eclodir no Oriente. O território declarado neutro por Salazar sofre pressão
tanto das forças aliadas como das japonesas. Alain é uma celebridade. As
autoridades dispensam-lhe alguma atenção e chega mesmo a disputar partidas de
ténis com residentes. No entanto adoece e acaba por falecer no dia 16 de
Dezembro de 1941, no Hospital de Lahane. A sua morte não tem a devida atenção
pela comunicação social por causa da guerra na Europa e da iminência da sua
eclosão na Ásia.
Cinatti vai para Timor após
a ocupação japonesa. É no cemitério de Santa Cruz que localiza e assinala a
campa de Alain Gerbault, o navegador solitário, cujos restos mortais são
levados posteriormente pela marinha francesa para Bora Bora.
O meu interesse pela vida e
obra do navegador solitário francês começa a partir do momento em que tomo
conhecimento da sua morte em Timor. Numa ilha considerada local de passagem e
porto de abrigo para viajantes.
Fazer uma grande viagem pelo
mar é o sonho de qualquer criança que viva numa ilha. Lembro-me dum episódio na
infância, passado na ilha de Ataúro, com um grupo de amigos. A nossa primeira
tentativa de fuga ao lar. Mais do que uma fuga era a nossa vontade de descobrir
o que havia para lá dos mares. A viagem que seria o princípio do conhecimento
do Universo. À procura de encontros imprevistos. Uma tentativa para romper com
o cerco da ilha, cuja circunstância geográfica foi aproveitada como prisão para
deportados. Um banco de corais não nos deixou ir mais longe. A piroga ficou
encalhada nas pedras que emergiam do fundo do mar. O nosso sonho ficou por aí.
É essa a razão que me leva a escrever romances que têm como pano de fundo as
grandes viagens marítimas. Uma das quais feita por Alain Gerbault que celebro
no meu livro Requiem para o navegador solitário.
A morte de um estrangeiro é
sempre motivo de constrangimento por não ter o devido acompanhamento por parte
de familiares e de amigos. Cada um devia morrer no local onde nasceu,
devolvendo à terra tudo o que esta lhe deu em vida. Assim diz uma lenda que li
algures. Tendo partido em busca do sol, como sugere o título do seu livro A la
poursuite du soleil, Alain Gerbault morre na ilha onde, segundo a mitologia
timorense, nasce o sol, completando assim o seu ciclo de vida. Cinatti
adivinha-lhe as últimas palavras:
- Sepultem-me no mar, longe
de tudo
Entre valas, velas e
gaivotas!
Luis Cardoso de Noronha